ENTENDENDO DIREITO 82 – OS DIREITOS HUMANOS E A DIGNIDADE DAS MULHERES

Os Direitos Humanos e a Dignidade das Mulheres

Por Érikha de Souza Malta

 

Palavras-chave: Dignidade; encarceradas; grávidas; política.

 

Introdução

A Constituição Federal de 1988 assegura a igualdade de gênero e a dignidade da pessoa humana, inclusive das mulheres. Entretanto, existe uma diferença entre o direito formal e o direito material, com isso, todos os dias assistimos, seja presencialmente ou pelos noticiários, inúmeras mulheres sendo desrespeitadas, silenciadas e até mesmo assassinadas.

O objetivo deste artigo, não é trazer estatísticas em relação aos crimes cometidos contra as mulheres, tampouco falar da interseccionalidade e como as violências atingem majoritariamente uma camada da população. Tais debates são, sim, fundamentais. Todavia, o foco desse artigo é trazer um apanhado geral de três violências que atingem mulheres: a violência obstétrica, a violência às mulheres encarceradas e a violência política de gênero.

 Vamos abordar alguns conceitos, como essas violências operam em nossa sociedade e como as leis tratam desse tema. O objetivo desse artigo é constatar que apesar da Constituição garantir os direitos humanos, as mulheres ainda padecem nesse cenário de violência, assim, é necessário uma conscientização por parte dos juristas, dos estudantes de direito e de toda a sociedade.

 

1- Violência obstétrica

A violência obstétrica é uma questão que impacta inúmeras mulheres, sendo caracterizada por práticas desrespeitosas e abusivas durante o atendimento de saúde para a realização do parto. Tal crime ocorre com frequência, mesmo as mulheres tendo direitos amparados pelo arcabouço jurídico. Essa violência atinge a saúde física e mental das vítimas e de seus filhos, e pode ser realizada de diferentes maneiras, seja por meio de procedimentos invasivos e/ou sem o consentimento e até mesmo maus tratos durante o parto.

Nesse sentido, há um referencial de muita relevância para os estudiosos do direito, o livro: “A violência obstétrica na perspectiva do Direito (2024)”, obra da promotora de justiça Fabiana Dal’Mas e do advogado André Geraldes. Com base em suas pesquisas, nota-se resultados que revelam múltiplas práticas que configuram violência obstétrica, inclusive a realização de procedimentos invasivos, como episiotomia e cesáreas, sem o devido consentimento das mulheres.

 Cabe destacar que o tratamento degradante, desrespeitoso, linguagem humilhante e o descaso com as necessidades emocionais e físicas das parturientes também configuram violência obstétrica. Ademais, a violência obstétrica tem grandes e numerosas consequências negativas na saúde das mulheres, como traumas emocionais e até mesmo adoecimento físico.

Por fim, é essencial a criação de mecanismos de monitoramento para garantir que as mulheres sejam respeitadas e tratadas com empatia, além de ferramentas que possibilitem a realização de denúncias de maneira prática, possibilitando às mulheres relatar abusos sofridos sem medo de represálias.

Em relação às normas, não existe uma lei federal específica que tipifique a violência obstétrica como um crime, porém, existem legislações que buscam prevenir e combater essa prática. A Lei nº 11.108/2005 assegura às parturientes o direito à presença de um acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

No âmbito estadual e distrital, algumas leis foram promulgadas com o objetivo de combater a violência obstétrica. Por exemplo, no Distrito Federal, a Lei nº 7.461/2024 estabelece diretrizes para prevenir e combater essa forma de violência, garantindo às mulheres o direito de serem informadas sobre todos os procedimentos, incluindo riscos e benefícios, além de poderem escolher como serão assistidas durante o parto.

Além disso, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que visam incluir a violência obstétrica na Lei Maria da Penha e estabelecer penalidades específicas para essa prática. O Projeto de Lei nº 422/2023, por exemplo, propõe a inclusão da violência obstétrica entre os tipos de violência previstos na Lei Maria da Penha.

 

2- Violência às mulheres encarceradas

 Com o intuito de assegurar os direitos fundamentais dentro dos presídios femininos brasileiros, sobretudo aqueles previstos na Constituição Federal de 1988, é fundamental romper estereótipos que apontam as mulheres encarceradas como pessoas dignas de sofrimento e exclusão social e destacar que são dotadas de direitos e dignidade.

O número de mulheres privadas de liberdade é bem menor se comparado aos homens. Como consequência, há um sistema prisional que não é feito e/ou planejado para atender as particularidades das mulheres privadas de liberdade, sendo que tal fato se agrava com a presença do machismo estrutural, que enxerga mulheres presas como indignas de assistência, fazendo com que estas sejam cada vez mais esquecidas e suas necessidades silenciadas.

 Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 é um marco em relação à ampliação de direitos fundamentais, assegurando maior proteção a homens e mulheres, sendo até mesmo reconhecida como a “Constituição Cidadã”. Deste modo, o texto constitucional trouxe também várias garantias em relação ao cumprimento de penas privativas de liberdade, preocupando-se mais com a obediência às normas processuais, visando uma maior tutela sobre o princípio da dignidade da pessoa humana.

Contudo, o que se verifica na realidade é que ainda há nos presídios públicos grandes violações a direitos fundamentais, sendo que os presídios femininos apresentam particularidades próprias que geram violações inerentes à condição de ser mulher, ou seja: em relação ao gênero feminino.  Neste contexto, é de extrema importância discorrer sobre como essas violações agravam o desrespeito aos princípios constitucionais.

Assim, é possível afirmar que as mulheres privadas de liberdade são mais vulneráveis a agressões físicas, sexuais e psicológicas. Ainda, destaca-se que, pelo fato de ser mulher, há condições que intensificam as dificuldades vivenciadas no sistema penitenciário, como a dificuldade para obter assistência médica e itens de higiene básicos, como absorventes e, ainda, o fato de que muitas mulheres são separadas do convívio familiar e de seus filhos.

Primeiramente, destaca-se que a Constituição Brasileira de 1988 estabelece a separação dos presídios entre masculinos e femininos, o que não ocorre em sua totalidade. Segundo, existem poucas unidades prisionais femininas que contém berçário e creche.

Ademais, as condições insalubres em que as mulheres vivem também refletem formas de violações, pois as penitenciárias são escuras e superlotadas; os banheiros possuem mau cheiro e não há itens de higiene, como sabonete e shampoo, isso sem falar da alimentação e da superlotação.

Por fim, em muitos casos, não há o devido processo legal, especialmente no que se refere às prisões provisórias e à progressão de regime. Todos esses fatores indicam que a Lei de Execução Penal não é totalmente cumprida.

 

3- Violência política de gênero

A violência de gênero é um tema que precisa ser discutido e combatido, pois durante séculos os homens estavam em posição de poder e decidiam sobre a vida de toda a comunidade, inclusive sobrepondo-se às mulheres, sendo assim, até hoje há resquícios dessa desigualdade.

Um caso bastante conhecido pela nação brasileira se trata da primeira presidente mulher do país: Dilma Rousseff foi um exemplo de resistência, mas infelizmente, o machismo estrutural e a violência política de gênero e suas consequências geraram um golpe sofrido pela ex-presidente em 2016. Cabe salientar que, apesar das mulheres ocuparem a menor parte dos cargos políticos, elas são a maioria da população do Brasil e do eleitorado brasileiro.

Em 2021 foi promulgada a Lei 14.192/21, passando a considerar crime a violência política de gênero. De acordo com essa lei,  a punição para quem cometer o crime pode ser de até 4 anos de prisão e multa, já se a violência ocorrer pela internet a pena pode chegar até seis anos. Entretanto, a violência política de gênero continua no cotidiano, se materializando de maneiras absurdas e assustadoras, inclusive com ameaças, perseguição, difamação online e até mesmo assassinato, como o caso de Marielle Franco. Esses ataques visam silenciar e intimidar as mulheres para que estas não ocupem lugares de poder e tomada de decisão, algo que é direito delas e de toda a população.

Uma grande conquista aliada à participação das mulheres na política brasileira foi a criação da Emenda Constitucional 117 que obriga os partidos políticos a destinar no mínimo 30% dos recursos públicos para campanha eleitoral às candidaturas femininas. Apesar da Emenda Constitucional 117, não existe nenhuma lei para garantir a ocupação efetiva dos cargos, o que gera fraudes para driblar as cotas, quando partidos lançam nomes femininos de fachada, mas não investem nas candidaturas.

É fundamental mitigar as disparidades de gênero na política, pois é necessário assegurar a diversidade, a democracia e a implementação de políticas públicas eficientes para resguardar os direitos básicos e fundamentais dos grupos que são minorizados. Com a participação feminina na política há o fomento de debates em relação a direitos reprodutivos e combate à violência contra a mulher, assim, é necessário acabar com os estereótipos de gênero.

Por esses fatores, é necessário que o Estado incentive uma cultura respeitosa, igualitária e que garanta que as mulheres realmente exerçam seus direitos políticos com confiança e assim contribuir com o desenvolvimento do país, erradicando as desigualdades sociais e econômicas e contribuindo com o Estado Democrático de Direito.

 

Conclusão:

A escolha de falar especificamente sobre esses três tipos de violência decorre de estudos previamente realizados. Um deles eu abordei em um Congresso, o outro em meu Trabalho de Conclusão de Curso e por fim, o último em breve estará disponível em um livro. Tais motivações decorrem da necessidade de chamar atenção para as diversas vítimas, mulheres, que seguem sendo oprimidas e mortas no Brasil, um país democrático. Mas cabe questionar: estamos fazendo o suficiente?

Por fim, as pesquisas indicam uma necessidade de implementar políticas públicas mais eficazes para mitigar essas violências. Movimentações precisam ser feitas. Nenhuma a menos!

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