ENTENDENDO DIREITO 83 – LIBERDADE DE EXPRESSÃO E CENSURA

Liberdade de Expressão e Censura: Entre a Democracia e os Limites Constitucionais
Por Maria Rita Borges Fernandes
Palavras-chave: liberdade de expressão; censura; democracia; Constituição Federal; jurisprudência.
Introdução
A liberdade de expressão é um dos pilares do Estado Democrático de Direito e está prevista no artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. Essa liberdade garante a todos os cidadãos o direito de manifestar livremente suas opiniões, ideias e pensamentos, sendo essencial para a manutenção de uma sociedade plural e democrática. No entanto, essa liberdade não é absoluta e pode sofrer restrições quando confrontada com outros direitos fundamentais, como a honra, a imagem e a segurança pública. No cenário atual, é essencial refletir sobre a liberdade de expressão no Brasil, seu embasamento jurídico, os limites constitucionais e a complexa relação histórica do país com a censura.
1. Fundamentação Jurídica da Liberdade de Expressão
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso IV, assegura que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato“. Além disso, o inciso IX do mesmo artigo reforça que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença“. Esses dispositivos evidenciam a intenção do constituinte em proteger a liberdade de expressão como direito fundamental.
No plano internacional, o Brasil é signatário do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 19) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, art. 13), que reforçam o direito à liberdade de expressão como essencial à dignidade e ao desenvolvimento do ser humano.
2. Limites Constitucionais e Colisões de Direitos.
Apesar de sua importância, a liberdade de expressão não é ilimitada. Quando sua prática ofende outros direitos fundamentais — como a honra (art. 5º, X), a privacidade, a igualdade e a segurança pública — ela pode ser restringida. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem jurisprudência sólida nesse sentido. No julgamento da ADPF 130/DF, que declarou a não recepção da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/1967) pela Constituição de 1988, o STF reafirmou que “a liberdade de expressão é condição essencial para o pleno exercício da democracia“, mas destacou que o abuso dessa liberdade pode ser controlado pelo Poder Judiciário.
Outro caso emblemático foi o RE 1010606/RJ, onde o STF firmou o entendimento de que “não existe direito fundamental absoluto“, estabelecendo que manifestações de ódio, racismo e incitação à violência não estão protegidas pelo princípio da liberdade de expressão.
3. A História da Censura no Brasil.
A trajetória da liberdade de expressão no Brasil é marcada por períodos de censura institucionalizada. Durante o Estado Novo (1937-1945) e a Ditadura Militar (1964-1985), a censura prévia foi uma prática constante, limitando a circulação de informações, obras artísticas e opiniões políticas contrárias ao regime.
A Constituição de 1988 representou uma ruptura com esse passado autoritário ao proibir expressamente a censura e ao garantir ampla liberdade de manifestação. No entanto, debates atuais sobre discursos de ódio, fake news e bloqueio de redes sociais mostram que o tema ainda exige vigilância constante e um equilíbrio delicado entre liberdade e responsabilidade.
Conclusão
A liberdade de expressão é um direito indispensável para a construção e o fortalecimento da democracia. Contudo, ela deve ser exercida com responsabilidade, respeitando os direitos e garantias de outros indivíduos e da coletividade. A sua liberdade de expressão acaba quando esbarra na liberdade de expressão alheia. No Brasil, embora a censura tenha sido formalmente extinta com a Constituição de 1988, desafios contemporâneos colocam novas questões sobre os limites desse direito, especialmente diante do avanço das tecnologias digitais e da disseminação de discursos que podem ameaçar a ordem democrática. É papel dos juristas, acadêmicos e da sociedade civil manter o debate qualificado sobre o tema, defendendo tanto a liberdade quanto a dignidade humana — valores essenciais para a evolução humana.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966.
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), 1969.
Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130/DF. Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2009.
Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário (RE) 1010606/RJ. Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 07/06/2019.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Constitucional: um diálogo entre o global e o local. São Paulo: Saraiva, 2006.