RESENHA CRÍTICA: FLORES PARA ALGERNON

RESENHA CRÍTICA: FLORES PARA ALGERNON

A MALDIÇÃO BENEVOLENTE

 

Autoria de Lúcio Marcos Granado Júnior, acadêmico de Bacharelado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás) e Diretor de Finanças da Liga Acadêmica de Acessibilidade ao Direito (LAAD).

 

O livro “Flores Para Algernon”, escrito por Daniel Keyes, e ganhador do prêmio Hugo, tornou-se um romance clássico que muito se assemelha as famosas distopias do século XX. Diante de uma trama que até pode ser previsível em alguns momentos, mas que se diferente de boa parte dos livros que eu já li, o conto vai além de um conjunto bem estruturado de palavras.

São muitos os fatores capazes de transformar um livro num best seller, e a maioria destes se encontram nessa obra, fato que me preocupou num primeiro instante e, por isso, devo confessar que me senti ressentido nas primeiras páginas temendo estar prestes a me entristecer num daqueles carrosséis mórbidos e repetitivos, característicos de obras feitas para emocionar pessoas vazias.

Sim, é possível que alguém não esteja entendendo exatamente o que quero dizer, mas isso não importa porque a receita utilizada por algumas obras consagradas muito me lembra o bom e velho Cup Noodles, cuja demanda é simples: basta que você saiba aquecer 300 mililitros de água, tolerar a espera por 3 minutos e haverá alguma resposta para a sua fome, não exatamente um alimento.

Esse livro, por sua vez, não é fugaz e quando se percebe isso torna-se capaz de sofrer junto a Charlie, nosso personagem principal e escritor de sua própria história, como todos nós. Eis, então, o pulo do gato: O livro se comunica diretamente com as desventuras de todos os que já vivenciaram uma verdadeira mudança, aquela que ultrapassa os limites de um corte de cabelo radical.

Um dia me disseram que a verdadeira mudança acontece naturalmente quando a dor de estar vivendo é maior que o medo de mudar, e eu acredito nesta premissa. Também acredito que as mais legítimas mudanças ocorram através da consequência do amor ou da dor, mas apenas sobre a óptica do que é real, por obviedade.

Embora as mudanças possam se comunicar muito bem com os traumas, creio eu que o caminho de uma vida honrada é o caminho da sabedoria e por esse caminho as mudanças não são uma escolha. Assim, temos naquela história que num certo dia um cientista vende a Charlie a mudança, transvestida de sabedoria, sob preço de felicidade, e ele compra.

Mas a matemática da escolha de Charlie não é simples, pelo fato de que a própria vida não é, por si mesma, de tão fácil digestão quanto possa parecer. Sendo a vida um jogo de soma zero, as idas e vindas são constantes, e quando Charlie pôde enfim ter uma dimensão de tudo o que a vida pode ser, foi como olhar para a Terra numa distância suficiente para enxergar o seio da vida de nós todos apenas como um pálido ponto azul.

A meu ver, engana-se quem julga que Charlie se tornou outro, pois prefiro denominar o ocorrido com Charlie como “despertar”, dado que mesmo ele não sabendo o que era ter capacidade de absorver tamanho conhecimento e mesmo depois de toda a frustração da perda, o cérebro de Charlie voltava-se para o avanço. A sede de conhecimento que aquele homem possuía vinha na sua essência e isso não pode e jamais deverá ser confundido com qualquer obra que as mãos humanas possam produzir, reproduzir ou destruir.

Lembremos da primeira ordem que Deus destina a Abraão, em Gênesis 12, “Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei”. Eu ainda não consegui melhor definição para esta frase senão a de que deves ir além, até mesmo do que tu és, para enfim ser. Isso me recorda também, além dos 40 dias de Jesus no deserto, daquela bela canção da banda America, que diz: “In the desert you can remember your name”.

Sim, em algum momento se faz necessário encarar o vazio que há dentro de cada um de nós para encontrar o mais belo dos pores do sol, e eu chorei diante do pôr do sol de Charlie. Quando, gradualmente, ele vai nos deixando até deixar de vez sentimos que se ele tivesse mais tempo iria amadurecer o suficiente para ser feliz com toda a sua potência de assim ser e imaginar a vida inteira que poderia ter sido e não foi dói muito. Charlie encerra mandando flores para Algernon, e eu encerro mandando flores para Charlie.

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INSCRIÇÕES PARA O EVENTO "SONHOS EM TEMPOS DE CRISE- EFEITOS PSICOLÓGICOS, JURÍDICOS E ECONÔMICOS DA PANDEMIA"

O evento idealiza falar sobre efeitos da pandemia, e como manter a chama dos sonhos acesa, mediante tantas situações complexas causadas pelo Coronavirus,e será realizado em 3 painéis diferentes, e assim, o evento abrangerá questões econômicas, da saúde, e jurídicas, com profissionais multidisciplinares e de diferentes áreas. Sendo que a organização do evento é da LAAD, com parceria da LASMENT, Liga e LAEDE.

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