RESENHA CRÍTICA: O PROTESTO DO RECEBEDOR E JURISDIÇÃO

RESENHA CRÍTICA: O PROTESTO DO RECEBEDOR E JURISDIÇÃO

• Autoria de Adriana Lima Faquineli, Amanda Melo de Resende Abrahão Elias, Isadora Aparecida Elias Soares, Larissa Diovana Pena Cruz e Maria Bárbara Fagundes Araújo Mendonça.  

1.CREDENCIAL DO AUTOR:

Paulo Henrique Cremoneze é advogado pós graduado em Direito pela Universidade Católica de Santos, em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia da Assunção e em Direito do Seguro pela Universidade de Salamanca, Mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos.

CREMONEZE, Paulo Henrique. O protesto do recebedor e jurisdição. A limitação do art. 754 do CC à jurisdição brasileira. Revista Jus Navigandi [online]: Teresina, 7 ago. 2019. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/68651 >. Acesso em: 15 out. 2020.

 

2.RESUMO:

O texto trata da impossibilidade de aplicação do artigo 754 do Código Civil, aos sinistros que ocorrerem em transportes de cargas no exterior, bem como a impossibilidade de decadência do direito de reclamar das mercadorias entregues.

O autor explica que tal artigo só poderá ser aplicado em território brasileiro, sendo inválido caso a falta ou avaria for constatada no exterior. Ele também conclui, na mesma lógica, pela inaplicabilidade da lei estrangeira no país.

Posteriormente, Paulo Cremoneze analisa que é necessário o protesto do recebedor da mercadoria para se falar em decadência do direito de regresso do segurador sub-rogado contra o transportador internacional de carga, não havendo, a pretensão de ressarcimento continua plenamente em vigor, bastando ao segurador apresentar algum meio que ateste o nexo de causalidade e o seu prejuízo. 

 

3.RESENHA CRÍTICA:

O artigo do professor Paulo Henrique Cremoneze visa dialogar sobre a não aplicabilidade da normativa de sinistros de transporte de cargas para aqueles apurados no exterior e a inexistência de decadência do direito de regresso do segurador sub-rogado.

Assim, pode-se abstrair da questão primordial do artigo um contrato de transporte e um contrato de seguro. De acordo com o artigo 730 do Código Civil, o contrato de transporte é o acordo de vontade estabelecido entre o indivíduo que, mediante retribuição, gera o encargo ao transportador de deslocar coisa ou pessoa de um lugar para o outro, por meio terrestre, aquático ou aéreo. É um contrato bilateral, oneroso, comutativo, consensual e de forma livre. O contrato de transporte possui três elementos. O elemento subjetivo refere-se às partes, sendo o transportador, o passageiro ou o destinatário e o expedidor. O elemento formal refere-se à exteriorização sendo pelo bilhete de passagem ou o conhecimento do frete. E, o elemento objetivo refere-se ao objeto do contrato, que é a prestação de serviços de transporte. Por esse último elemento podemos depreender que há a emissão de uma fatura e, possivelmente, já que é facultativa, a extração de uma duplicata, de acordo com os artigos primeiro e segundo da lei n. 5.474/68. Como conceitua Tomazette, uma fatura é um documento que contêm uma descrição dos produtos vendidos ou dos serviços prestados, sendo entregue ao comprador ou recebedor dos produtos/serviços como uma prova da finalização do contrato e um meio para a criação da duplicata, e uma duplicata é um título de crédito emitido pelo credor com base em uma fatura para documentar o crédito originário de uma compra e venda mercantil ou de uma prestação de serviço.

Na questão levantada temos que o contrato de transporte trata-se de um transporte de coisa, logo temos o transportador que se obrigará perante o expedidor a entregar a mercadoria ao destinatário, configurando assim, ao transportador, sua responsabilidade civil objetiva relativa à integridade da carga, tendo início a partir do instante em que ele recebeu-a e terminando com a entrega ao destinatário ou depositada em juízo. Diante disso, visando assegurar-se de um possível prejuízo na carga, o destinatário realiza um contrato de seguro. Conforme o artigo 757 do Código Civil, o contrato de seguro é o acordo em que o segurador se obriga, mediante um prêmio, a garantir interesse do segurado, sendo o contrato em questão de dano de coisa própria, aquele descrito por Maria Helena Diniz como sendo o seguro que possui como objeto coisa móvel ou imóvel pertencente ao segurado, havendo então sub-rogação dos direitos.

Ao receber a mercadoria, o destinatário/recebedor deve realizar a conferência, a fim de averiguar se está em bom estado. Se durante o prazo para averiguação, o destinatário/recebedor notar vícios redibitórios, ou, nas palavras de Maria Helena Diniz, defeitos ocultos na mercadoria recebida que a tornam imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminuem o valor, podem mover uma ação contra o transportador porque a ele não há somente uma obrigação de resultado, mas também uma obrigação de garantia de bom estado, como impõe o princípio da garantia dos negócios jurídicos. Empresarialmente falando, o destinatário/recebedor receberá a mercadoria com a nota fiscal e a duplicata, esta última deverá ser assinada e devolvida no prazo de 10 dias, ou, no mesmo prazo, apresentar as razões pelas quais não foi assinada, como os vícios redibitórios, conforme artigos sexto, sétimo e oitavo da lei n. 5.474/68.

Como há um contrato de seguro, em que o segurador sub-rogou nos direitos do segurado, essa possibilidade de mover uma ação contra o transportador cabe ao segurador. Quando o professor Cremoneze fala, em seu texto, que o artigo 754 referente às mercadorias só terá eficácia nos transportes nacionais e transportes internacionais concluídos no Brasil (a importação), vemos como verdade, pois o artigo 754 está contido no Código Civil, uma lei brasileira que se aplica na jurisdição brasileira cumprindo o princípio da territorialidade, o qual, em consonância ao doutrinador Humberto Theodoro, está ligada à soberania do Estado, de modo que, dentro de cada Território, só podem vigorar as próprias leis processuais. Também concordamos com o fato de que o segurador sub-rogado deverá ajuizar ação no Brasil, em virtude do artigo 21 do Código de Processo Civil, visto que a obrigação de entrega do produto foi cumprida em área brasileira. Para ilustrar, citamos o julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo de uma Apelação Cível em que o apelante, ora transportador, alegou a incompetência da jurisdição brasileira e a falta de obrigação de arcar pelos danos porque trata-se de um transporte internacional e não há provas suficientes para corroborar com sua condenação. A apelação foi conhecida e desprovida.

Afasta-se, também, a preliminar de incompetência da jurisdição brasileira, nos termos do artigo 21 do CPC, pois “incontroverso que, ao final, as mercadorias deveriam ser entregues no Brasil, como se nota do documento de fls. 128/129” (fls. 138). […] Verificada a falha no transporte, de rigor há indenização integral dos danos materiais por parte da transportadora […] (fls. 60/66). (BRASIL, 2020, p. 3-4).

Contudo, caso haja foro de eleição determinado em território estrangeiro, entendemos que o segurador sub-rogado deverá procurar ajuizar lá, e não no Brasil como dispõe o jurista Cremoneze embasado pelo artigo 786 do Código Civil, que traz que qualquer ato do segurado que cause empecilho aos direitos do segurador será inválido. Entendemos ser possível o ajuizamento da ação no exterior em razão do fato de que a convenção de foro contratual não é um empecilho ao direito de regresso do segurador, esse direito ainda existe e poderá ser exercido. A configuração de foro de eleição é efeito da liberdade contratual e da manifestação de vontade, o quarto requisito de um negócio jurídico. Vale relembrar do parágrafo segundo do artigo 63 do Código de Processo Civil que dispõe que o foro contratual obriga os herdeiros em causa mortis e os sucessores, como o segurador sub-rogado que é um sucessor por sub-rogação.

Em relação a existência de decadência do direito de regresso, o jurista Cremoneze traz que quando o recebedor realizar o protesto teremos a decadência do direito de regresso do segurador sub-rogado, mas quando não houver esse protesto não há o que se falar em decadência. Confiamos que tanto a normativa como o professor estão errados, vemos que não cabe decadência no direito de regresso ou no direito à indenização, pois decadência, nas palavras de Maria Helena Diniz, é a extinção do direito potestativo pela inércia de seu titular que deixa escoar o prazo fixado para seu exercício, e direito potestativo é um direito em que o agente pode influir na esfera de interesses de terceiro, quer ele queira, quer não, formando assim uma nova relação jurídica, o que não condiz com a prestação estudada, pois há um contrato inadimplido dado que o transportador não tomou todas as cautelas necessárias para manter a mercadoria transportada em bom estado (art. 749 do Código Civil), este sendo um dever do transportador que não foi cumprido, e quando falamos em dever estamos falando de um direito subjetivo, consequentemente de prescrição, e não decadência. Desta forma, falamos que há prescrição, e não decadência. Comentando já da relação do protesto do recebedor e da perda do direito da seguradora, consideramos que agora aplica-se o artigo 786 do Código Civil acerca dos atos do segurado. O protesto do segurado é um ato que pode criar empecilhos ao direito do segurador, logo se ele não realizou o protesto, não há o que se falar em extinção do direito de regresso do segurador. Há sim, ao nosso ver, um prazo para o protesto e outro para a seguradora exercer o seu direito não havendo impedimentos a esse direito decorrente do protesto do segurado.

Se o segurado não fez o protesto, isso é um problema dele. Tal fato não pode ser imposto ao segurador já que o ordenamento culmina o ato com a pena de ineficácia. […] o protesto […] é importante e deve ser feito. Mas, eventualmente, na falta do protesto ou na hipótese do protesto intempestivo, não significa que a seguradora não possa recuperar aquele valor. (ALVES, Márcia, 2013, p. 7).

Mesmo que tenhamos estabelecido acima que não há nenhuma relação entre o protesto do recebedor e a decadência, ou melhor a prescrição, do direito da seguradora, é oportuno salientar que discordamos também quando o autor traz que quando não houver protesto não haverá decadência do direito, de forma que a pretensão de ressarcimento continua plenamente em vigor porque ao falarmos que a pretensão é eterna estamos trazendo à tona a possibilidade do exercício da ação a qualquer tempo gerando assim instabilidade jurídica nas relações, visto que nunca se esgotaria o prazo e as partes estariam inseguras durante o contrato e após o fim dele.

 

CONLUSÃO

O autor expõe o tema, na forma de carta aberta ao segurador. Em resumo, temos que para o jurista Cremoneze, o artigo 754 do Código Civil só pode ser aplicado a sinistros ocorrido no transporte de cargas apurados em território brasileiro, ideia com a qual compactuamos. Além disso, ele traz que a competência correta para a ajuizar a ação da seguradora sub-rogada é do Brasil, mesmo que haja foro de eleição. Fatos que não seguimos a mesma linha de pensamento, pois acreditamos que o foro de eleição prevalece as normas gerais e que ele não constitui um dano a seguradora.

Por fim, o professor discorre sobre a existência da decadência do direito da seguradora. Para ele, só existirá decadência quando houver o protesto do recebedor, o que para nós não há nenhuma relação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei n. 5.474, de 18 de julho de 1968. Dispõe sobre as Duplicatas, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 jul. 1968.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 mar. 2015.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Indeferimento de Apelação Cível. Apelação Cível n. 1044069-36.2019.8.26.0002. Apelante: UPS do Brasil Remessas Expressas LTDA. Apelado: Sompo Seguros S.A. Relator: Desembargador Mario de Oliveira. São Paulo, 22 out. 2020. DOU 22 out. 2020.

ALVES, Márcia. Protesto do recebedor ameaça direito de seguradoras ao ressarcimento. Editora Roncarati [online]: São Paulo, dez. 2013. Disponível em: < https://www.editoraroncarati.com.br/v2/Artigos-e-Noticias/Artigos-e-Noticias/protesto-do-recebedor-ameaca-direito-de-seguradoras-ao-ressarcimento.html >. Acesso em: 22 out. 2020.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contatos e Atos Unilaterais. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento e Procedimento Comum. 56. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: Títulos de Crédito. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017.

 

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