O Direito a Saúde: a indústria de alimentos e seus efeitos na saúde pública

O Direito a Saúde: a indústria de alimentos e seus efeitos na saúde pública.

  • Autoria de Daniela Freitas, graduanda em Direito e coordenadora de ensino da LAAD.

Diálogos e preocupações sobre a saúde fazem parte de um dos centros da vida dos indivíduos, não é sem razão, que o desejo por uma “boa saúde” está na ponta da língua de muitos e em vários dizeres populares: “desejo a você muita saúde e alegria”, “se você tem saúde, tens o mais importante”, ou até mesmo aquele pedido especial no final do ano para iniciar o próximo com muita saúde e que provavelmente ao longo da vida tivemos a oportunidade de ouvir e até mesmo dizer por muits vezes.

Fato é que, uma das maiores conquistas da humanidade é o aumento da longevidade e da qualidade de vida das pessoas, proporcionados pelo avanço nos cuidados com a saúde e pela notória evolução nas áreas da pesquisa científica para descobrir antídotos contra várias moléstias e vírus. Todos esses tópicos que envolvem diálogos sobre uma “saúde melhor” delimitam um desejo humano coletivo. Nesse contexto, é válido lembrar da crise de saúde pública vivenciada pela população brasileira em 1685, com a chegada da Febre Amarela e que ensejou várias pesquisas categóricas em relação a sua transmissão, até que no século XX, foi alcançada uma vacina específica para prevenção e formas de controle à doença para eliminar as chances de morte do indivíduos infectados.

Diante disso, a indústria alimentícia desempenha um papel relevante com a evolução da qualidade de vida humana, principalmente, porque a cura ou o controle de várias doenças estão aliados a uma alimentação in natura, ou seja, aquela alimentação balanceada, rica em nutrientes. Porém, ao analisar a perspectiva do desempenho da Indústria alimentícia e a saúde da população em geral, o cenário não é nem um pouco positivo, já que não parece, justamente, saudável.

Segundo Maria Lúcia Teixeira Polônio e Frederico Peres, em um artigo publicado pelo Scielo, com o tema – Consumo de aditivos alimentares e efeitos à saúde: desafios para a saúde pública brasileira – destacaram que:

“A mudança no hábito alimentar da população brasileira, ocorrida nas últimas décadas, tem atraído a atenção dos órgãos reguladores e da comunidade científica como um todo, pois a substituição de alimentos in natura por alimentos processados vem contribuindo de forma contundente para o empobrecimento da dieta”.

Conseqüentemente, tal fato contribui, também, para o aparecimento de doenças crônicas não-transmissíveis, responsáveis, principalmente, pelas doenças do aparelho circulatório, diabetes e neoplasias, resultado das modificações no padrão de adoecimento global na segunda metade do século:

“(…) Além de a dieta ter sofrido modificações ao longo do tempo, a tecnologia aplicada pela indústria de alimentos com o intuito de aumentar o tempo de vida útil desses produtos tem gerado questionamentos quanto à segurança do emprego de aditivos alimentares, fundamentalmente quando se trata de corantes artificiais.”

Além disso, a SBCBM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica) divulgou em seu site uma matéria, com o tema: “Brasil registra aumento de 60% no número de diabéticos e de obesos em 10 anos”, no qual denotou que em relação a população Mundial há cerca de 387 milhões de diabéticos, sendo que o Brasil corresponde a 13 milhões e que as perspectivas, não são nem um pouco animadoras e evidencia o aumento desse número mais de 150% em 2035.

Nesse sentido, essa situação de saúde frágil vivenciada pela humanidade é muito controversa com a perspectiva de uma população saudável diante das evoluções tecnológicas e pesquisas para aumentar a qualidade de vida da população, desde a primeira Revolução Industrial em 1760 – cujo marco foi o aparecimento da Indústria e das máquinas a vapor – até a Terceira Revolução Industrial em meados do século XX até XXI – impulsionou o aparecimento de computadores, a engenharia genética, o celular e etc.

O retrocesso da saúde pública está diretamente relacionado à perspectiva do estilo de vida da sociedade contemporânea, visto que um dos efeitos da globalização sem o devido controle é basicamente um ciclo vicioso de consumo e produção, no qual, o tempo tornou-se escasso em razão do objetivo de produzir mais em menor período a fim de possibilitar um consumo em abundância. Logo, atividades como cozinhar em casa ganharam um papel secundário, levando as pessoas, ou por estarem cansadas de seus trabalhos ou por falta de tempo, a recorrer aos alimentos industrializados.

Em contrapartida, outro fator para essa questão da saúde pública, reside no fato das indústrias alimentícias, para manter o padrão de baixo custo nas produções e nas vendas de seus produtos, socorrer-se aos processados, e produtos artificiais, ou seja, transformando o alimento in natura para outro geneticamente modificado, cuja perspectiva negativa em relação aos efeitos de seu consumo  para  a  saúde humana é muito bem mascarada pelo estímulo do marketing e propagandas. Nesse sentido, segundo Polônio e Teres:

“Atualmente, vem se observando que paralelamente ao consumo dos alimentos básicos há a introdução de produtos industrializados, a partir do estímulo do marketing das indústrias, com destaque para o consumo de macarrão instantâneo, achocolatados, iogurtes, biscoitos recheados, biscoitos salgados e refrescos. Os anúncios de televisão estimulam a compra de certos alimentos normalmente de alta densidade energética (sacarose e gorduras trans e saturadas) e de baixo valor nutritivo. Além disso, grande parte desses produtos contém aditivos alimentares, principalmente corantes, conservadores e antioxidantes artificiais, que podem trazer riscos à saúde.”

O Brasil, em sua Constituição Federal de 1988, denota um espaço exclusivo para a saúde, discorrido nos artigo 196 a 200, no qual em seu artigo 196 e 197 denota o seguinte texto:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”

Visto isso, é notório que a questão da saúde pública deve ser, de fato, encarada como um direito, no qual apresenta sua aplicabilidade quando é assegurada mediante fiscalização através da administração pública e seus respectivos gestores em qualquer matéria a seu respeito que está em risco, aplicando sanções e deliberações relacionados a fim de garantir o bem comum . Entretanto, a vitimização de boa parte dos indivíduos frente ao cenário negativo da saúde pública é um equívoco. Porque, o estilo de vida de cada pessoa é construído através de hábitos e por escolhas. Assim, segundo Polônio e Teres: “O comportamento alimentar dos indivíduos corresponde não só aos hábitos alimentares, mas também às práticas de seleção, aquisição, conservação e preparo relativas à alimentação. Tem suas bases na infância, transmitidas pela família e sustentadas pelas tradições, crenças e tabus que passam de geração em geração.”

A temática, direito a saúde: Os efeitos da indústria alimentícia na saúde pública é uma questão de consciência coletiva, embora, saber o que se “coloca à mesa” é dever e escolha de cada um, não deixa de ser uma questão coletiva. Pois, aqueles que fornecem os produtos e quem os consomem são responsáveis pela maturidade alimentar das futuras gerações. Dessa forma, muitas vezes, o lucro não está em quanto tempo produziu e o tanto que ganhou, mas sim na responsabilidade de frutificar uma consciência sucessiva às gerações. Ampliando a perspectiva, é possível vislumbrar também que não se trata apenas de cuidar e ampliar a qualidade de vida, mas de zelar pelo bem valioso que é a Vida.

 

REFERÊNCIAS

 

BVSMS. HISTÓRIA DA FEBRE- AMARELA NO BRASIL. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/0110historia_febre.pdf. Acesso em: 31 mar. 2020.

PERES, M. L. T. P. F. Consumo de aditivos alimentares e efeitos à saúde: desafios para a saúde pública brasileira . Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, 2009. 8, p.1, abri./2009/ Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.phpscript=sci_arttext&pid=S0102-311X2009000800002>. Acesso em: 31 mar. 2020.

SCIELO. Consumo  de aditivos  alimentares e efeitos à saúde: desafios  para a saúde pública brasileira. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2009000800002. Acesso em: 31 mar. 2020.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA BARIÁTRICA E METABÓLICA. Brasil registra aumento de 60% no número de diabéticos e de obesos em 10 anos. Disponível em: https://www.sbcbm.org.br/brasil-registra-aumento-de-60-no-numero-de-diabeticos-e-de-obesos-em-10-anos/. Acesso em: 31 mar. 2020.

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